Friday, November 26, 2010

Dançar Teixeira Gomes

Dançar a obra de um escritor amante da estética e das viagens foi o desafio lançado ao Quorum Ballet. Daniel Cardoso inspirou-se na vida e na obra de Manuel Teixeira Gomes para criar uma coreografia que posicionasse o espectador no limbo que o escritor viveu entre o séc. XIX e o séc. XX. O início do espectáculo mostra-nos um espaço cénico cortado ao meio por uma cortina translúcida e uma luz que evoca a espuma do mar. Há excertos de textos de Manuel Teixeira Gomes interpretados pelo actor Miguel Simões que, vestido com figurino da época vai evoluindo ao longo da coreografia, passando incólume por todos os bailarinos, como um observador atento da realidade. Há uma mágoa que transparece nas palavras do escritor, quando afirma que chegou tarde demais a num século demasiado velho. A convicção de que poderia ter usufruído mais da vida numa época em que se assistiu a uma das grandes revoluções no mundo artístico levou-o a lamentar esta sua passagem de transição entre dois mundos que quase se opuseram. No palco a cortina cai e a cena enche-se com as emoções do escritor recriadas pelos corpos dos bailarinos. As histórias de sedução que preencheram as memórias de Teixeira Gomes são evocadas com sensualidade e beleza. Margareta, Cecília, Cordélia, Inês, Susana, e tantas outras mulheres que a pena do literato elegeu, foram dançadas e devolvidas ao presente efémero que a dança oferece. O escritor senta-se à secretária e cria com intensidade, reproduz as histórias que a memória lhe guarda e os bailarinos tornam-se a matéria que dá corpo às reminiscências do autor. É muito interessante o plano em que se expõe o autor a escrever à secretária enquanto os bailarinos despertam a sua memória numa dança de sensualidade muito próxima do sentir deleitoso do viajante esteta.
No final o escritor é celebrado através de uma das suas belas descrições do Algarve ao mesmo tempo que cai sobre os bailarinos uma chuva de areia sobre a qual, voluptuosamente, dançam, e partilham com os espectadores a sensualidade e a languidez dos corpos quando se oferecem ao sol, acariciando a areia.
Mais uma brilhante criação de Daniel Cardoso que homenageia de forma adequada um dos mais talentosos e injustamente esquecidos escritores portugueses. Esta criação teve dramaturgia de Pedro Alves, música original de Jorge Silva, desenho de luz de Vitor Cândido cenografia de Hugo Matos e foi dançado por Theresa da Silva C., Filipe Narciso, Elson Ferreira, Inês Godinho, Inês Pedruco, Hannah Lagerway e Gonçalo Andrade.

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