Sunday, September 6, 2009

A tragédia e o entretenimento


Tangos e Tragédias é um divertimento protagonizado por Nico Nicolaewsky e Hique Gomez, dois músicos que, para além de tocarem com algum virtuosismo, sabem conduzir o público durante cerca de duas horas. O espectáculo, que está em cena há 21 aos, começa com o violinista a recriar o tema de Chaplin inserido no filme Tempos Modernos, omitido no programa dentre os compositores que inspiraram o espectáculo. Na folha de sala constam os nomes de compositores brasileiros como Vicente Celestino, Alvarenga & Ranchinho, ou Cláudio Levitan. Chaplin, que foi utilizado pelo violinista mais do que uma vez, não consta nesta homenagem. Nem o compositor do tema White Chistmas, de Irving Berlin, que ocupou quase metade do espectáculo.
Os dois músicos inventaram um país que lhes permitisse ter um comportamento ligeiramente excêntrico para intrigar o público. Sbornia do Sul, dominado pelo anarquismo hiperbólico, foi o país criado para que pudessem apresentar todas as suas fantasias musicais. Começaram por falar numa língua inventada, segundo o mote de Chaplin, quando teve de inventar a letra na sua mítica canção dos Tempos Modernos. O público ia acompanhando as marcações e a comunicação dos músicos, até que se começaram a fazer entender em português. Ouvimos então a história de amores impossíveis que se tornaram trágicos e, para ilustrar melhor a história, começaram a pedir a ajuda do público. O público estava hesitante mas os artistas insistiam. As vítimas mais acessíveis eram as da primeira fila, que se recusaram a colaborar, dizendo mesmo, que se não queriam subir ao palco, estavam no seu direito. Houve mesmo uma simulação de uma vingança através de uma facada, que a vítima inocente da primeira fila não quis socorrer. E ao longo do espectáculo o actor deixava escapar um “Obrigadinho!” ou então, à senhora que estava ao lado perguntava: “Ele é sempre assim tão cooperante lá em casa? Espero que tenha uma melhor sorte!”.
Houve momentos neste espectáculo em que os músicos tocaram e tocaram muito bem. Frente a um cortinado drapeado, com uma iluminação bonita, aqueles momentos sugeriam ao público que iria ter um espectáculo de música interessante e bem conseguido. No momento seguinte, sentiam necessidade de contar mais uma história e de envolver o público, mesmo que este não estivesse muito cooperante. Decidiram começar pelo “Encore”, que era, segundo eles, a parte do espectáculo mais interessante. Depois orquestravam os aplausos, coordenando a plateia a ovacionar com mais ou menos intensidade. Por fim, começaram a tocar o tema de Natal White Christmas, pedindo a ajuda do público, uma vez que toda a gente conhecia aquela melodia. O público entoava o tema com vogais de acordo com as instruções do músico. Um dedo apontado era i, os dedos formando um círculo era um o, a um gesto largo com a mão, o público tinha de dizer Blém. Com esta orquestração conseguiu-se uns vinte minutos de espectáculo. No final os músicos saíram e o público saiu atrás. Os músicos continuaram a tocar no foyer do teatro com o público todo à sua volta. O tema White Christmas continuou mas desta vez a letra era “lá em cima estava o tiroliroliro…”: O tema tradicional da chacota sobre as origens rurais dos portugueses. E assim se passaram duas horas de espectáculo das quais, uma foi gasta a orquestrar um público que se via estar ali mais para apreciar um espectáculo de música do que para cantar ou subir ao palco e dançar com a cabeça.
Como José Luis Louro disse inúmeras vezes aos seus alunos:” Como eu odeio a palavra entretenimento! O Teatro não deve ser para entreter! Tem de ter uma função social!” Guardo em mim essas palavras sempre que vou assistir a um espectáculo. E este espectáculo, apesar de se chamar tangos e tragédias, de tangos, não tinha nada. De tragédia, tinha umas historietas de amores desavindos. E de estruturante, pouco tinha. Divertido? Sim, para grande parte do público. Fez esquecer o stress da vida quotidiana? Tanto quanto um filme para passar o tempo. Estruturante, como o teatro deve ser? Não, de todo. Vazio de conteúdo. Então, mas se eram músicos, e bons, porque razão não tocaram? Porque razão insistiram com o público para subir ao palco expor-se em situações desconfortáveis? Tantas, tantas e tantas comédias, em que o público se diverte satisfeito ao mesmo tempo que aprende alguma coisa! Foi importante recordar que, em Portugal, a seguir a uma seta amarela que diz desvio, nunca mais se encontra o caminho certo! E porquê? Porque José Pedro Gomes, que é um mestre na arte de fazer rir, no espectáculo Coçar onde é Preciso, , diverte o público ao mesmo tempo que faz uma crítica social profunda, fina e acutilante. Aí sim. Saímos divertidos, reconfortados, mais ricos, e com vontade de escrever para as entidades responsáveis no sentido de colocarem todas as placas a que temos direito para não nos perdermos. E mudar o que está errado. É este o sentido do grande mestre brasileiro que escreveu a mensagem do dia Internacional do Teatro, Augusto Boal.

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