Sunday, September 6, 2009

A síndrome de Peter Pan


Foi no dia 30 de Maio que o Serviço Educativo do Teatro das Figuras abriu as portas do grande auditório para o espectáculo Peter Pan na Terra das Artes Perdidas. Este espectáculo foi uma criação da associação Oficina Divertida e do Conservatório de Música de Olhão e a bilheteira reverteu a favor da Instituição Particular de Serviço Social de Tavira Uma Porta Amiga.
As coreografias foram da responsabilidade da professora Anabela Silva do Conservatório de Olhão e a composição musical de Anabela Silva, também do Conservatório de Olhão e de Ricardo Carvalho, da Oficina Divertida.
O espectáculo começa com uma sombra projectada na parede. A sombra de Peter Pan, interpretada pelo actor Rui Cabrita, foge da personagem que guarda os meninos que não querem crescer na ilha dos meninos perdidos. Rui cabrita conta o início da história e diz que, para além da terra dos meninos perdidos, existe uma terra das artes perdidas que só as crianças podem encontrar. Convidou o auditório para uma busca a essa terra de aventuras e o pano de boca abriu-se, mostrando uma projecção da janela do quarto de Wendy. Peter Pan chega com a sua atitude de rapaz irreverente e, logo a seguir, a sua sombra perdida. Há uma coreografia com uma classe de meninas a dançar, brincando com a sombra de Peter Pan, há pintores que entram ao colo dos seus pais e que vão pintar as telas do quarto, abertas à imaginação das suas cores, há pequenos músicos percussionistas, pianistas, bebés que entram ao colo das suas mães num tributo ao teatro, crianças carregando letras, tentando articulá-las num bailado de luz e cor. As artes foram homenageadas pelas gentes de palmo e meio através do imaginário de Peter Pan. O público do auditório vibrou e este poderia ter sido um bom espectáculo se parte dos adultos que estavam na assistência não sofressem, também eles da síndrome de Peter Pan. Peter Pan foi para a Terra dos Meninos Perdidos porque se recusava a crescer. Não no bom sentido, mas na recusa infantil e obstinada de obedecer a regras. Ele e os outros meninos perdidos divertiam-se comendo com as mãos, proferindo palavras proibidas, não obedecendo a horas para dormir. Há psicólogos que etiquetam a recusa de alguns homens em assumirem-se como adultos responsáveis como a síndrome de Peter Pan que, em últim instância, tem a ver com a convivência pacífica com um mundo de regras que promove a sã partilha de normas de conduta. No espectáculo Peter Pan houve, do princípio ao fim, um claro desrespeito pelas regras de funcionamento de um teatro, o que incomodou sobremaneira diversos espectadores. Apesar das portas se terem fechado depois do sinal sonoro de início de espectáculo ter soado duas vezes os espectadores continuaram permanentemente a entrar, incomodando quem já se encontrava instalado a tentar concentrar-se no espectáculo. Pelas normas do funcionamento do teatro das figuras sabe-se que, em qualquer espectáculo, depois das portas fecharem, os espectadores que chegam atrasados não podem entrar. Assiste-se a essa situação amiúde ao longo da programação. Será que estes actores de palmo e meio merecem menos respeito do que os actores consagrados que pisam o mesmo palco? E o público que paga tanto para ver um actor consagrado como para ver um espectáculo que homenageia as artes, não tem o mesmo direito à concentração que lhe é devida em ambos os casos? E quando os pais não se sabem comportar, não é dever destas instituições ao serviço da cultura promover a sua educação? Já é tempo destas estruturas deixarem o comportamento provinciano e assumirem-se como estruturas de notoriedade nacional, como afirmou o presidente da câmara de Faro no seu discurso inaugural do pequeno auditório. Quando um representante autárquico diz que “tem procurado que o espaço do Teatro das Figuras tenha uma dimensão nacional e não apenas uma dimensão de província, com parcerias com o Centro Cultural de Belém, com a Casa da Música, com a Gulbenkian´”, é necessário que essa convicção passe das palavras aos actos e se aja em conformidade. Quando se fala em mais de 30 mil crianças e jovens que tiveram a oportunidade de ter o seu primeiro contacto com a oferta cultural, é necessário que o trabalho se faça por inteiro e que percebam o que é respeitar o público e o actor que se desconcentra quando está a actuar. No caso da educação de públicos, agir em conformidade é também começar pelas pequenas coisas, como a de não permitir que o público deseducado importune o público que está a apreciar um espectáculo. Seja ele com a Eunice Muñoz ou com crianças também dão, genuinamente, o melhor de si em cima do palco.

No comments: