Wednesday, June 11, 2008

Teatro Fórum


No passado dia 31 de Maio a associação portuense A Pele levou a Lagoa uma proposta de espectáculo pouco habitual. Tratou-se de uma produção que tem por base o Teatro Fórum, criado por Augusto Boal, e tinha como objectivo convidar os espectadores, não só a reflectir mas sobretudo a agir, de modo a criar soluções para acabar com o drama da violência doméstica. O Teatro Fórum é a principal técnica do Teatro do Oprimido, criado pelo brasileiro Augusto Boal (TO). Essa técnica procura retratar fatos reais para desenvolverem as peripécias do seu espectáculo. Nesse enredo há a criação de personagens oprimidos e opressores, que entram em conflito, de forma clara e objectiva, quando procuram defender os seus desejos e interesses. Neste confronto, o oprimido fracassa e o público é convidado a entrar em cena, substituindo o Protagonista (o oprimido) e procurar alternativas para o problema encenado. É um método, um instrumento de resistência e libertação que pretende fazer com que os oprimidos encontrem, por si mesmos, caminhos para lutarem contra as opressões que sofrem. Além disso, o TO permite ainda ensaiar essas mesmas formas de libertação e resistência e projectar através da imaginação e da acção teatral as aspirações, e as acções de transformação da realidade . É uma estratégia de partilha e discussão grupal e/ou pública de opressões que muitas vezes nos são “invisíveis”, ou foram tornadas naturais. Estratégia essa que pretende fornecer instrumentos de comunicação, reflexão e acção libertadora os participantes, na medida em que a linguagem teatral é a linguagem humana por excelência.
O Teatro-Fórum pretende romper os rituais tradicionais do teatro que limitam o público ao imobilismo, à passividade. A ideia é o estabelecimento de um diálogo entre palco e a plateia, onde os espectadores se activariam ao entrar em cena para transformar a peça. Em função disso, Boal sugere que no Teatro do Oprimido não há espectadores, mas "espect-atores". Este diálogo é mediado por um "coreuta", pessoa que actua como interlocutor entre o espectáculo e a plateia.
Para quebrar o gelo entre os espectadores, que não se conheciam, os actores propuseram um jogo entre os espectadores, que implicava levantarem-se dos seus lugares, interagirem com desconhecidos e brincarem uns com os outros. As crianças aderiram logo mas os mais velhos pouco mais demoraram para admitir que aquela proposta era divertida. Quando a timidez começou a ir embora estavam então criadas as condições para dar início ao espectáculo. O espectáculo era composto por três actores. Um interagia com o público, explicando o enredo e convidando-o a dar início à função. Os outros dois actores, sem cenário, apresentaram-se como dois jovens adolescentes na fase de início de namoro. Tímidos, ingénuos, com vontade de serem amados. As primeiras confissões, os olhares trocados, o primeiro beijo. Tudo parece avançar de forma enternecedora. Mas logo nesse primeiro enleio há um prenúncio de que algo iria mudar. O rapaz, de 17 anos, quando a rapariga de 15 lhe diz que o pai não quer que ela chegue tarde a casa diz-lhe prontamente: “acho muito bem. Miúda minha tem de se portar com juízo!”. Ela não se apercebe desta primeira manifestação de opressão e fica exuberante com a conquista do seu primeiro namorado. A partir desse momento, as cenas entre os dois começam a entrar numa escalada de violência verbal, que culmina numa primeira intenção de passar para a violência física. Nesse quadro, antes do rapaz concretizar a acção que se destinava, a imagem congela e fica a noção bem real de que a rapariga está prestes a ser vítima de violência física por parte do seu namorado. A primeira parte do espectáculo termina nessa imagem congelada e o público é convidado, pelo 1º actor, que estabelece a relação entre a cena e o público, a intervir e a tomar o partido da personagem oprimida. Depois de mais uma proposta de jogo ao nível da expressão dramática, o público é confrontado com questões simples, que o impele a discutir a acção. Quando um espectador diz: “Eu acho que ela deveria agir de outra maneira…” é convidado a tornar-se no “espect-actor” e a substituir o oprimido na situação. As propostas foram muitas e o entusiasmo contagiante. Surpreendente foi a prestação de uma jovem menina, que confrontou o opressor, defendendo que uma relação se deveria basear na confiança e que ele não lhe deveria vasculhar o telemóvel. É evidente que a firmeza de uma atitude numa rapariga de 15 anos apaixonada e dependente emotivamente é difícil e é essa a base da construção de uma relação que vai ter como fundo permanente a violência física. As raparigas, que se tornam mulheres, crescem na esperança de que os seus namorados e companheiros mudem, aguentando toda a espécie de violência, quer verbal quer física. E cada vez se torna mais difícil a ruptura com o laço opressor. É neste sentido que o teatro fórum pode intervir, dando conselhos, descobrindo soluções, para que o oprimido se liberte e o opressor deixe de dominar. O espectáculo terminou passada uma hora e meia, mas o público tinha vontade de continuar a intervir. Ficou no público a vontade de mudar alguma coisa à sua volta e no final foram distribuídos alguns folhetos do núcleo de Portimão da APPAV, à qual as pessoas podem recorrer.
Entre os actores figurava João Correia, jovem algarvio, que iniciou o seu contacto com o teatro passando por grupos como a Associação Ideias do Levante, o grupo escolar Improviso e mesmo a criação do grupo de teatro A Gorda, com João Evaristo. João Correia completou os seus estudos de teatro de nível superior no Porto, tendo integrado recentemente a Associa cão A Pele, que se dedica ao teatro fórum. Este é mais um exemplo de um criador algarvio que construiu o seu percurso com sucesso fora da região, contribuindo para a afirmação do Algarve no resto do país
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