Thursday, August 16, 2007

em papel perfumado - a arte de bem namorar


Em papel perfumado, poemas de namorar. Só o título tem o condão de nos transportar de imediato para um universo de sonho e deslumbramento, para sitos onde as palavras têm sentidos outros que o da banalidade. Em que se pode dizer com perplexidade mas admiração: “Mas hoje já ninguém fala assim…”
O espectáculo “Em papel perfumado, poemas de namorar”, estreado dia 10 na escola EB-2,3 de Estombar, tem a capacidade de transportar os alunos para um universo que lhes é praticamente estranho: o da poesia. Não se trata aqui da estranheza face à poesia lida nos manuais ou interpretada nas aulas de Português. Trata-se de um sentir poético que faz parte do quotidiano e da maneira como alguém é levado a olhar para as coisas. Neste caso, através de uma estética do quotidiano, são convidados a assumir um olhar poético sobre a vida e sobre a realidade. O elenco, constituído por Afonso Dias, Jonas e Tânia Silva mostra-se equilibrado, sóbrio, quase portador de uma aura apenas concedida aos poetas. Desta forma, o branco como cor dominante faz sentido, pois transporta os alunos para outro tipo de realidade. Começando com o “Poema do Amor”, de António Gedeão os actores, que também são músicos, pois cantam e tocam, desenvolvem um espectáculo em que nos mostram 36 poemas de autores que cantaram o amor de forma única.
Jonas, surpreendendo o público que o conhece, cresce dentro de um registo doce e enamorado. O sorriso que oferece ao público é já parte de uma emoção que transmite: a ternura, que de uma maneira geral anda alheada das suas personagens. Talvez seja um passo na maturidade e no crescimento deste actor, pois é através destas pequenas coisas que se consegue perceber a evolução que uma pessoa faz perante si própria e perante os outros. Jonas, qual Orfeu, diz poemas, toca, canta, e empresta ao público a noção de ternura que, por muito que nos queiramos esquecer, ainda podemos recuperar dentro de nós.
Tânia Silva aproveita o seu ar cândido para dar a este recital a beleza que só uma rapariga bonita pode dar. Surpreende quando canta o poema de Florbela Espanca, musicado por Afonso Dias, Os Versos que te Fiz, põe a inocência esperada no Poema para Lili, de Fernando Pessoa, agiganta-se quando diz o poema de Alexandre O’Neill Amigo, em suma, é uma actriz que nos faz acreditar que ainda existe beleza neste mundo. E bem precisamos. Precisa, por vezes, de se fazer ouvir melhor, mas encontramo-nos perante uma actriz completa que, também na difícil arte de dizer poesia, se evidencia.
Afonso Dias traz-nos a força da maturidade de alguém que passou a sua vida a dizer poesia nas mais diversas situações e ocasiões. Compositor, cantor, dirigiu este espectáculo com o cuidado que o público a que se destina, merece. A voz grave e segura enche o auditório e rende os alunos menos atentos. O espectáculo Em Papel Perfumado está concebido em duas versões: uma destinada aos alunos mais jovens, dos segundo e terceiro ciclos e um outro, mais complexo, para os alunos do ensino secundário. Depois deste espectáculo os professores terão muito material para desenvolver nas suas aulas, sobretudo sobre o sentimento poético, que é algo que se julga andar arredado da vida. No entanto, como diz o poeta, “A poesia é para comer”. De todas as maneiras e feitios. E esta é, sem dúvida, uma maneira deliciosa de o fazer. Os próximos espectáculos serão em Faro. No dia 14 às 10h15 na escola Secundária João de Deus e no dia 21 às 10h15 e às 11h55 na escola secundária Tomás Cabreira. Depois, um pouco por todas as escolas do Algarve.
É de louvar o trabalho pioneiro que a ACTA está a desenvolver nas escolas, levando-lhes o teatro de bandeja, para que os alunos das zonas mais periféricas e interiores o possam saborear. Neste momento a ACTA já tem capacidade para fazer itinerância com duas equipas autónomas, portadoras de dois espectáculos completamente diferentes e, contudo, complementares. Elaborados numa perspectiva pedagógica, tanto o Auto da Índia, de Gil Vicente, como Em Papel Perfumado têm o intuito de despertar os alunos para o teatro a partir de conteúdos que podem ser trabalhados nas aulas de Português. Os actores no final disponibilizam-se a dialogar com os alunos, despertando-os para a simbologia e para a estética do espectáculo. Como o espectáculo de desenvolve dentro do espaço de aula convencional, alguns professores têm aproveitado para, após a representação e a propósito dela, leccionarem uma aula, integrando o espectáculo nos conteúdos da sua disciplina. E assim se faz formação de públicos no terreno, onde o público precisa de ser formado: nas escolas.
E é um privilégio esta região ter uma companhia de teatro que se desloca à própria sala de aula, levando aos alunos o bem mais precioso que eles podem ambicionar: a formação.
Talvez a ACTA, ou outra companhia profissional, num futuro próximo, comece também a trabalhar textos que possam ser apresentados, não só na aula de Português, mas nas aulas de matemática, de física, de biologia, que são disciplinas cujos conteúdos exigem uma maior abstracção e nas quais os alunos precisam amiúde de estratégias diferentes para os conseguirem apreender. Por outras palavras, por que é que a aula de língua portuguesa há-de ser a grande privilegiada relativamente a este tipo de estratégias? O esforço de educar através da arte deve ser cada vez mais implementado e a educação deve ser vista numa perspectiva de abrangência. Educar para os valores, para a cidadania, para a sexualidade e para as ciências. Uma utopia que cremos poder tornar-se realidade a curto prazo.

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