Tuesday, November 28, 2006

O patinho feio


O ser humano é etnocêntrico por natureza. Habituado que está a crescer dentro de uma determinada cultura, elege-a como a cultura de referência, desprezando, na sua generalidade, as outras. Foi preciso terem existido uns humanistas que, muitos séculos depois de Sócrates disseram com ele: “Sou um cidadão do mundo”, para que se começasse a pôr cobro à barbárie instigada por uma natureza avessa à alteridade. Mesmo assim, olhamos para o mundo e o conflito permanece. A minha cultura é melhor que a tua, a minha religião é melhor que a tua, e por isso tenho mais direitos do que tu. É neste contexto que o papel do teatro pode ser, de facto, formativo, ensinando, desde criança, o ser humano a respeitar o outro nas suas identidades e nas suas diferenças. O Patinho Feio, de Anderson, aponta para o problema de um diferente que é criado entre iguais e que sofre terrivelmente o peso dessa diferença. As crianças depois percebem que o diferente era, na verdade um cisne, ave que nos habituámos a considerar como mais majestosa dentro da classe dos patos. Portanto, a fábula de Anderson encerrava em si uma moralidade que consistia em sofrer ao princípio para depois ser admirado, e até invejado no futuro. No entanto, não deixava de alertar para o tratamento entre diferentes.
A versão que Verónica Guerreiro assinou é mais ambiciosa e estimula mais a crianças a perceberem a injustiça de tratamento face à diferença anatómica ou de raça, ou de género. É que enquanto o fábula de Anderson expôs ao ridículo um congénere da espécie dos patos, a versão de Verónica Guerreiro sugeriu um bebé, que é adoptado pela pata no momento da eclosão dos seus ovos, e que não é aceite pelos seus irmãos. A mãe, extremosa, chama-lhe pato e o bebé assume a sua identidade como pato. Os outros patos é que não o aceitam. Nem os patos nem os outros animais da quinta, rindo-se dele em todas as ocasiões. Até as formigas se riem dele, para além do porco e do peru, não conseguindo obter solidariedade nem sequer de uma galinha. Até a cadeira se riu dele! O menino chora, vai dormir sozinho e triste, sem o amparo de um amigo. Só quando a sua verdadeira mãe o encontra no meio da quinta é que o menino descobre a sua identidade, sendo aceite pelos outros elementos da história. Esta é uma história também sobre a aceitação da sua identidade, e sobre a capacidade de amar para além das diferenças.
O espectáculo junta bonecos e formas animadas com actores em carne e osso. Alice Martins começa por contar a história, e as personagens, bonecos manipulados como numa televisão, vão aparecendo ao longo da narração. Como numa televisão, Alice pega num comando gigante e volta atrás, faz pausa, brinca com a associação da caixa preta e do écran televisivo. As crianças aderem porque se sentem familiarizadas com o formato televisão. A páginas tantas a história conta-se por si e os bonecos tornam-se reais para as crianças que estavam a absorver a história. O momento da eclosão dos ovos foi uma boa solução, surpreendendo as crianças quando viram aparecer os patinhos recém-nascidos. O facto do menino não ser interpretado por uma marioneta provoca uma proximidade entre as crianças e o actor, se bem que a versão “infantilizada” que Fernando Cabral recria quando deixa de contracenar com os bonecos retire alguma verdade numa perspectiva da identificação da criança com a personagem. Seja como for, dentro do universo de teatro para a infância, que não pretende apenas entreter os meninos, este espectáculo funciona. E funciona mesmo depois da apresentação porque as crianças tiveram acesso a um programa didáctico que lhes permite colorir, encontrar palavras, fazer jogos com a sequência das cenas e ainda recriar a cena recortando as personagens que aparecem na história. Muito bem conseguido.
O que não funcionou muito bem foram as condições de exequibilidade do recinto da Feira do Livro. As crianças sentaram-se no chão, próximas dos actores, e por isso ouviram a mensagem. O público em geral perdeu metade da mensagem por não ter havido uma amplificação de som adequada. Não perdeu a mensagem toda porque os bonecos são muito expressivos e, por si só, contam metade da história.
Poderíamos pensar que, se as crianças ouviram e viram o espectáculo, que os objectivos ficaram cumpridos, porque era um espectáculo para crianças. Mas o aproveitamento desta história pelos pais, para lhes complementarem a lição de vida que esta história encerra, ficou comprometido, e foi pena. Para além da criança que cada pai e cada mãe encerra dentro de si ter ficado triste por não ter podido usufruir do espectáculo como ele merecia. Mas isto tudo é uma aprendizagem e para o ano há mais.

Uma homenagem ao Teatro


A última produção do grupo Al-Masrah teve a assinatura de Pedro Ramos na encenação e a interpretação do próprio encenador e de cinco actores formados pelo grupo universitário Sin-Cera: Alice Martins, Hugo Sancho, Rui Cabrita, Susana Neves e Verónica Guerreiro. Os autores são muitos, representando algumas das páginas mais significativas que se escreveram para teatro. Desde Sófocles a Almada Negreiros, o espectáculo faz-nos percorrer uma viagem sobre as várias épocas vários autores, várias correntes e estilos de teatro, uma uniformidade na estética, na pureza, na limpeza, no rigor da representação.
O espectáculo começa com uma provocação dos actores. O público, enclausurado no minúsculo hall de entrada do antigo edifício da Corredoura de Tavira, desejoso de entrar, depara com uma actriz que vai apontando o dedo a este ou aquele indivíduo, convidando-o a entrar. Os outros têm de esperar pela vontade e pelo olhar dos porteiros. Se alguém se antecipa na ânsia de entrar, é-lhe barrada a entrada. Um jogo irónico que predispõe o público para o recolhimento que deve haver logo na situação da entrada.
Este teatro informal atira-nos literalmente para o meio de uma das mais significativas tragédias da antiguidade clássica: Édipo Rei. Vemos uma Jocasta marcada pela dor, numa interpretação surpreendente de Verónica Guerreiro, tirando partido dos seus longos cabelos no acto do suicídio. Vemos Hugo Sancho mais maduro, interpretando um Édipo atormentado por não ter conseguido fugir ao seu destino. Édipo e Jocasta unidos pelo laço lilás do pathos de um destino sofrido. As outras personagens, evoluindo numa coreografia rigorosa que dá conta do sofrimento característico da tragédia. Depois de Édipo ter furado os olhos aparece uma figura numa imagem projectada na cortina preta, narrando o epílogo, interpretado por José Louro. Essa imagem lindíssima, muito bem conseguida, faz-nos pensar num espectro oracular que anuncia a tragédia com a mesma serenidade com que dá notícia de um bom dia. Resolvida essa cena, os adereços mudam para cintos de cor vermelha e entram três actores, uma mesa e vários adereços interpretando a “Ceia dos Cardeais” de Júlio Dantas. Os cardeais comiam, bebiam, falavam sobre ao mor, e de repente a comida e o guardanapo tornam-se bonecos de Todo-o-mundo e Ninguém que contracenam com os dois demónios vicentinos Belzebu e Dinato, tornados contemporâneos com os artifícios das novas tecnologias, o sempre actual auto de Todo-o-Mundo e Ninguém. Por esta ligação de histórias, personagens e actores se pode antever o que virá a seguir. As histórias saem fluidas passando de Beaumarchais a Beckett, de Beckett a Ionesco, de Ionesco a Tchecov e por aí fora até culminar num dos belíssimos textos de Almada. Textos sobre o teatro, que marcaram a história do teatro, pontuados por pormenores que se distinguem pela cor, pela atitude dos actores, pela luz. No fundo estes seis actores fizeram-nos acreditar que se pode fazer um percurso orgânico por uma história do teatro em que se tocam algumas das opções mais significativas da estética teatral. Pudemos apreciar uma interpretação mais clássica na tragédia grega, mais jocosa no texto vicentino, mais expressiva na técnica da máscara, mais realista em Tchecov, por exemplo. Um apontamento digno de nota foi a grande crítica de Beckett à cultura do entretenimento, ilustrado por uma magnífica máquina de misturar e triturar o conhecimento para a criação de empacotados para distribuir tipo franchising. A máquina criada por Tó Quintas é bastante ilustrativa da cultura de pacotilha que o autor quis criticar. Outra nota digna de registo é a cumplicidade que se sente entre os actores, sobretudo entre Alice Martins e Susana Neves. Hugo Sancho surpreendeu pela positiva, talvez porque o encenador o tivesse dirigido tentando ultrapassar a sua natural fleuma. Rui Cabrita fez-nos vibrar no play-back da Edith Piaf e mostrou um rigor e uma maturidade em todo o espectáculo que surpreendeu que tem apreciado os seus anteriores trabalhos. Verónica Guerreiro, mais madura e convincente, saudou-nos com um ditoso regresso. Pedro Ramos mostrou aqui também o excelente actor que sempre nos mostrou ser. Quem não se lembra de Quereia no Calígula levado à cena pela ACTA em 2001 ou de Peter em Zoo Story? De resto, toda esta encenação é marcada pelo rigor: na geometria milimétrica das marcações, nas respirações, nos movimentos, e até nas mudanças de cena e de operador de luz.
Pedro Ramos já tinha dado mostra do seu valor como encenador no trabalho que fez para a ACTA do Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente. A melhor que eu pude apreciar até hoje. Infelizmente para o público em geral, essa encenação só pôde ser apreciada pelas escolas. Hoje é um encenador com a maturidade exigida a uma companhia profissional. Este trabalho, informal no nome, foi pautado pela rigidez, mas também pela elegância e pelo bom gosto. Pela crítica social e pelo humor. Nada foi deixado ao acaso. Nestes casos só nos resta juntar a nossa voz à de Piaf e cantar: Bravo!

O Beijo no Asfalto


Como é que um facto de uma intensa manifestação de humanidade, se pode transformar no pior pesadelo para o seu executante? Como é que um beijo dado a um ser humano no momento da sua morte, como sinal de profundo respeito pela vida humana, se pode tornar num acto hediondo aos olhos dos outros? Este é o ponto de partida da peça de Nelson Rodrigues O Beijo no Asfalto, que originou o espectáculo levado a cena em Tavira pela co-produção entre as Companhias Baal 17 e AL-Masrah. É difícil encontrar uma co-produção em que as emoções e as cumplicidades estejam tão sintonizadas como nesta que uniu uma companhia do Algarve e uma do Alentejo. Um equilíbrio assinalável na qualidade de representação e na frescura das interpretações. O texto, de uma violência extrema, mostra-nos tal como nos anos sessenta, a homofobia pode destruir a vida de uma pessoa. Como é que uma notícia de jornal, feita por uma jornalista sem escrúpulos, pode tornar horrível um acto sublime?
A encenação de Rui Ramos, assente no trabalho de actor, é meticulosa e cuidada. Atento aos pormenores, ao ritmo das emoções, Rui Ramos conseguiu abrir uma multiplicidade de cenários ao espectador a partir de uma caixa negra e uma cadeira. Discutível a inserção dos retratos físicos e psicológicos das personagens antes de elas entrarem em cena, se bem que as letras dactilografadas no écan negro introduziam o espectador, não tanto no universo da personagem, mas no mundo do jornalismo, uma vez que o anacrónico som da máquina de escrever permanece no imaginário colectivo de uma determinada geração. O espaço vazio foi sendo preenchido meticulosamente pelas linhas invisíveis das marcações dos actores que realizavam percursos calculados com rigor. A luz, operada por Mafalda Oliveira, estava adequada, se bem que demasiado luminosa em certos momentos mais sombrios do espectáculo.
A homofobia continua a ser uma questão complexa no século XXI e a ética das pessoas que escrevem, causando por vezes danos irrecuperáveis aos outros, não o é menos. Quem não se lembra das “notícias” sobre o falso arrastão de Quarteira em que uma jornalista em directo dizia com a maior das serenidades que os rapazes da Cova da Moura “quase de certeza que se estavam a preparar para fazer um arrastão”? No caso do texto de Nelson Rodrigues, as personagens são caricaturas dos modelos que convivem connosco. Por isso os reconhecemos. Temos a jornalista sem ética, o polícia corrupto, o homem que ama sem o poder admitir, e que por isso se torna cruel, a mulher que não ama o suficiente para acreditar no seu homem, a vítima da ignorância que se deixa enredar nas malhas da maldade e presta testemunhos falsos. E a vítima, demasiado frágil e honesta para ser levada a sério. Material suficiente para a criação de vários conflitos. O poder das palavras escritas, que passam a ser verdade a partir do momento em que são lidas. Tudo o que vem a seguir toma o efeito normal do turbilhão que se desenvolve em catadupa, apesar dos posteriores desenvolvimentos. Quem lava a face de uma suspeita? Todos somos suficientemente terríveis para a fazer circular e terrivelmente cruéis para nela acreditar. Por isso Rui Ramos não precisava de ter caricaturado de forma tão exagerada a figura da jornalista, bem defendida por Sónia Botelho. O ar licencioso e indecoroso com que Rui Ramos vestiu a personagem de Piedade Oliveira retira-lhe credibilidade, pois a falta de ética não se manifesta na aparência. Talvez não seja por acaso que todas as vilãs, desde a bruxa má da Bela Adormecida até Cruella De Ville são-nos apresentadas como a exuberância da elegância. E a lascívia que a jornalista mostra permanentemente também contribui para a não credibilidade da personagem. O inspector, auto encenado, é de longe a personagem mais débil do espectáculo. Amparado num figurino que lhe exalta o mau gosto, não transparece o suficiente do cinismo que um pobre diabo à espera de uma promoção que nunca chega, deve ter. A primeira cena em que o inspector Cunha contracena com Piedade Ribeiro está muito desequilibrada, pois a jornalista exagera na postura de dominadora, com um figurino que lhe suja completamente a personagem. Esse exagero não se equilibra com o jogo de poder que o inspector deveria dar, mas não consegue. O espectáculo começa a tornar-se interessante quando passamos para a cena em que Celinha, magistralmente interpretada por Susana Nunes, contracena com os seus dois irmão: Dália (Sandra Serra) e João Maria (Pedro Ramos). Nestas personagens tudo está na medida certa: a atitude, o figurino, a emoção, a contracena. Talvez seja aqui que efectivamente o espectáculo começa porque é aqui que começamos a acreditar nele. O desempenho de Susana Nunes destaca-se porque nos faz acreditar que é uma mulher delicada, bem-nascida, que sempre pertenceu a um meio social elevado, sendo requintada sem o querer dar a entender. Dália, um pouco paradoxalmente, já não partilha da elegância da irmã, revelando-se uma jovem mulher cuja carência esconde a sua beleza. Mas Sandra Serra dá a essa opção dramatúrgica a representação adequada. Pedro Ramos, interpretando João Maria, posiciona-se no mesmo estatuto social da irmã, com o mesmo à vontade que Susana Nunes. Marco Ferreira dá-nos a interpretação de um Armando que nos prende até ao fim e com o qual sentimos cumplicidade. Sofremos, porque sabemos que tudo aquilo pelo qual Armando passa é real. Excelente desempenho, fazendo-nos quase desejar morrer com ele, ou ajudá-lo a fugir, fruto do turbilhão de acontecimentos que delimita a fronteira entre a culpa e a inocência. Susana Romão também está convincente nos pequenos papéis que defende. O da viúva, no entanto, é completamente destruído pela intromissão da caricatura da jornalista.
Este trabalho pode ter como leitura perigosa a perversidade dos homossexuais, que assassinam quem não podem amar livremente. No entanto, uma reflexão mais profunda leva-nos a perceber a disfunção da personalidade como fruto de uma repressão social e de uma auto censura imposta pela negação dos próprios sentimentos.
O programa de sala, em formato de jornal impõe-se pela qualidade e pela adequação. Uma aposta na qualidade que, à excepção da ACTA e das Ideias do Levante, os grupos de teatro deixaram de fazer.
Bonita a homenagem ao amor e às canções cantadas no sotaque de Nelson Rodrigues, contextualizando o espectador.
Neste espectáculo, mais uma vez se provou que Aristóteles estava certo quando afirmava que nas tragédias sofremos pelas personagens e apiedamo-nos por nós, obrigando-nos a um exame de consciência. Uma co-produção que deu bons frutos e que nos mostrou, uma vez mais, como Susana Nunes é uma actriz maior, mostrando verdade independentemente do registo e da personagem.

Tavira honrou o seu engenheiro naval



O espectáculo sobre Álvaro de Campos apresentado na Biblioteca Municipal de Tavira foi o mais bonito que me foi dado ver este ano. Talvez um dos mais bem conseguidos espectáculos que me foi dado ver sobre poesia.
A nova biblioteca municipal, que cresceu à volta de um espaço de cárcere reaproveitado, foi explorada em múltiplas vertentes. Os espectadores eram convidados a fazer um percurso, acompanhando os actores pelos vários recantos do espaço a redescobrir ao som da poesia.
O espectáculo começa no espaço exterior com a construção de uma imagem na parede escura e rugosa. Dois actores chegam, munidos de escadas e, com uma fita adesiva clara desenham linha a linha a imagem de um barco de papel. Um terceiro actor, transportando uma mala de viagem conduz-nos, ao som da sua poesia, para o interior da biblioteca. O público vai, como que numa respeitosa procissão, e queda-se perante os cenários evidentes para a transmissão da poesia. Os espaços e os actores sucedem-se numa passagem de testemunho clara e compreensível. As palavras também lhes brotam da boca de forma clara, tornando-nos cúmplices da poesia de Álvaro de Campos.
Os circuitos são algo de recorrente nos espectáculos de teatro. A forma como se fazem é que será, ou não, de louvar. Este percurso, para além de nos mostrar a lindíssima biblioteca de Tavira, fez-nos viajar interiormente pelas sensações. Imagens visualmente belas, jogando com silhuetas nas sombras, completaram-se com um operário que ia construindo letra a letra a sua obra. Verdadeiro “operário em construção”, o actor desvendou o lado metafórico do poeta concebendo a sua imagem escrita..
De repente o público é conduzido para uma sala vazia onde, depois de apagadas as luzes, se dá início a uma reverberação sonora, ao mesmo tempo que se ouve a voz de José Louro, em off, muito suave e muito sentida, partilhando connosco a Insónia. Uma luz sob o rosto de um actor, de dentro de um quadrado, completa a imagem visual do poema.
Depois de sairmos dessa sala onde, impedidos de ver, pudemos sentir através do tacto e do ouvido, fomos conduzidos a um jardim interior onde duas árvores continham folhas de papel com textos do poeta. As folhas iam sendo lidas e oferecidas aos espectadores. E a recorrente imagem, interpretada num crescendo que caminha para um vertiginoso final ganha uma outra dimensão.
Damos a volta e confrontamo-nos com o papel escrito que expunha a silhueta do princípio do percurso. Esse papel é rasgado, lentamente, como se estivéssemos a rasgar as próprias entranhas do sentido da poesia e uma outra luz invadisse as palavras.
O último espaço a contemplar é outro jardim interior onde os três actores dão à dimensão do poema Se te queres matar a verdadeira dimensão pessoana da multiplicidade da imagem. Uma fragmentação do eu que apresenta Álvaro de Campos não apenas com a dimensão fria do engenheiro naval mas também com a dimensão sensual da imagética feminina, conferida magistralmente por Susana Nunes numa das imagens mais bonitas do espectáculo. Pedro Ramos mostra a raiva explosiva mergulhando entre os barquinhos de papel no dos lagos do jardim interior. O terceiro actor, Luis Campião, aproveita a sua aparente fragilidade caminhando circunspecto numa dimensão superior evoca o véu de angústia que constantemente paira sobre a sua poesia. No final os espectadores saem pela porta da antiga prisão, libertados pela poesia, ficando os actores encarcerados, separados do seu público por uma porta de grades, atrás da qual agradeceram os sentidos aplausos.
Com este espectáculo a biblioteca Álvaro de Campos recuperou a aura do poeta, já que a alma é alimentada por todos os que, diariamente, a frequentam. A delicadeza do poema, aliada à força da interpretação dos três actores, iluminou com uma luz diferente a poesia de Álvaro de Campos. Fragmentos que recuperaram por si só o sentido da totalidade.
A Companhia Al-Masrah continua a surpreender e a tornar ainda mais bonita a cidade do Gilão.

A curva ou uma nova dimensão do teatro no Algarve


O profissionalismo é uma atitude que se manifesta nos pequenos detalhes, nos pequenos nadas, como um simples bilhete de acesso a um espectáculo. Quem tivesse ido assistir ao espectáculo de estreia da companhia Al-Masrah conseguia ler no pequeno papel de ingresso toda a informação manifesta e latente respeitante ao espectáculo que iria ver. Autor, intérpretes, encenadora, e, desenhadas nas duas primeiras letras do título do espectáculo, um tracejado descontínuo numa curva perigosa à direita, sem qualquer sinalização adicional. Ao lado, a fotografia de um corpo acidentado, caído no chão. Está dado o mote, vamos então ao espectáculo. Um programa modesto mas com a informação necessária é distribuído à entrada. O texto de abertura de Zé Louro, ao lado de uma fotografia de carros acidentados, aguça-nos o espírito para as curvas que se nos vão deparando ao longo da vida, apanhando-nos desprevenidos. Curvas anunciando precipícios de que nos refazemos, melhor ou pior, consoante o grau de ilusão e de exigência.
O espectáculo A Curva, de Tankred Dorst, interpretado por Francisco Campos, Pedro Guerreiro Ramos e Rui Cabrita, traz-nos a amargura cínica de uma sociedade que se devora a si própria pelas teias burocráticas em que se enreda. Um texto que já se pode considerar clássico de um autor que escreve sobretudo teatro de experimentação, inspirando-se no absurdo que chega a ser a vida. A proposta do grupo Al-Masrah, conduzida por Isolda Barrios assenta sobretudo no trabalho de actor. Estes constroem personagens ricas e credíveis a partir de um texto cru, irónico e um pouco sinistro sobre a relação do poder com os problemas reais. Pedro Ramos distingue-se interpretando um homem atormentado com a tragicidade da condição humana. Incansável, faz petições ao director-geral, pedindo uma solução para se acabar com a sinistralidade causada por uma curva perigosa sem qualquer sinalização de aviso. Cria flores que enfeitam as sepulturas dos sinistrados e sofre com a percepção do destino trágico da vida. Concentra em si o espírito apolíneo, capaz de iluminar sem transgredir. O seu irmão, interpretado por Rui Cabrita, é mecânico, conserta os carros sinistrados, constrói as cruzes para as sepulturas e, dentro da sua rudeza, admira secretamente a persistência e a eloquência do irmão, por quem nutre uma secreta admiração e inveja. O seu complemento dionisíaco, disposto a transgredir em prol de uma harmonia muito própria. Francisco Campos interpreta o próprio director-geral, surpreendido nas malhas do seu próprio enredo burocrático. Acidentado na curva originária de 24 petições esquecidas nos seus dossiês, o director-geral movimenta-se com o jogo de cintura, tão característico do poder, iludindo até onde é possível a ilusão, os irmãos receptores da efemeridade da vida humana. Credíveis, as três personagens atacam as suas defesas e as suas inseguranças num jogo equilibrado e limpo, dentro de uma encenação que não apostou em grandes soluções mas que apresenta um espectáculo que prende o espectador do princípio ao fim, sem bocejar.
Com uma cenografia depurada, pensada para intensas digressões pelo Algarve, a iluminação foi o parente pobre desta produção. As mutações, acompanhando as mudanças psicológicas das personagens, não iluminam a cena adequadamente, notando-se a falta de contra luz em momentos fulcrais do espectáculo. A música também não teve o impacto forte que um espectáculo com um texto destes pediria. Mas as soluções cénicas, como a da cadeira feita a partir dos pneus, as cruzes construídas com o metal retorcido dos carros vitimados, ou a manta de retalhos lembrando as vidas retalhadas e despojadas do seu sentido primordial, transformando-se em mortalha e capacho são as duas propostas simbólicas e convincentes do espectáculo.
No geral A Curva é um espectáculo que prima pela ideia de equilíbrio, tanto ao nível da interpretação contida dos actores, como pelo ciclo anunciado no texto: a serpente que devora a sua própria cauda, para não morrer à fome.
Uma hora e quinze minutos que passaram num ápice. O instante trágico da cegueira em que o sol bate nos olhos e nos devolve à inevitável sepultura, com a qual nos confrontamos e que visitamos no final. “Lembra-te Homem que és pó e que ao pó hás-de voltar” são as sábias palavras recordadas todas as quartas-feiras de cinzas. Palavras oraculares que perante este espectáculo, tomam um sentido mais esclarecedor e pleno. Personagens com sangue e alma que assumem um registo realista sem deixarem, contudo, de apontar para um sentido mais abrangente, profundo e simbólico. Ou não representará o director-geral o cúmulo da perversão burocrática a que chegou o mundo ocidental, prisioneiro da sua indiferença e do seu absurdo? E os dois irmãos, não serão também, entre outros, símbolos de uma totalidade amorfa que se atordoa com os hiatos do poder, resolvendo-os por vezes da maneira mais abrupta e absurda.
Com espectáculos agendados para o teatro Lethes dias 27, 28 e 29 de Janeiro, esta companhia profissional recém formada regressa a Tavira em Fevereiro e promete percorrer o Algarve com este e outros espectáculos. Outras “caixinhas de surpresas”, no dizer de Isolda Barrios, sem fundo ou com fundo. Assim o esperamos ansiosamente.

Tudo é descartável. Até o amor



Um homem que chora, outro homem disfuncional sexualmente, uma mulher manipuladora dos sentimentos e uma bonequinha vestida de Jackie Kennedy que bate no marido são os quatro dados no tabuleiro das emoções que o encenador Francisco Campos preparou para o último trabalho da Ar Quente, uma recente Associação Cultural sedeada em Faro. Interpretado por Gil Silva, Joana Costa, Ricardo Mendonça e Susana Nunes, este trabalho parte da confrontação com um facto inquietante: tudo pode ser descartável. O trabalho, os sentimentos, e até o ser humano, quando é visto como um meio de se interpor à felicidade ansiada. A partir de um facto macabro, ocorrido no nosso país que mete morte, dissecação de cadáver e ocultação numa arca frigorífica, a trama acontece. Tudo parece correr bem até que a electricidade é cortada e o cadáver apodrece dentro da arca frigorífica. Os vizinhos denunciam o caso e o casal de amantes é preso e condenado. Este caso, que imita na perfeição uma história do Hitchcock, é uma nuvem que paira sobre a memória das quatro personagens. Há o homem abandonado pela companheira que chora e não consegue recuperar a sua vida. É gozado pelo seu superior, que faz uso de uma autoridade que não consegue manter com a sua mulher. Esse homem também chora. Por não ter filhos, pela sua sexualidade disfuncional, pela frieza da sua mulher, pelo abandono a que é votado. As mulheres não choram, são manipuladoras dos homens. Elas põem, dispõem, saem e entram nas relações e das famílias como se estas fossem de facto descartáveis. Os homens andam à sua mercê, fracos, reféns de uma sexualidade que não conseguem controlar. A trama está constituída, falta agora uma linha que una os fragmentos deixados ao acaso pelas personagens. Os actores desempenham razoavelmente as suas personagens, sem haver um esforço de interpretação muito profundo, refugiando-se nos clichés mais fáceis. O homem boçal e sensível que perdeu a mulher está bem caracterizado por Ricardo Mendonça que exagera no choro, retirando alguma verdade a uma personagem que podia ser a mais credível. Susana Nunes dá-nos, pela primeira vez desde há muito tempo, a musicalidade da sua voz, não tendo havido uma verdadeira transposição para as personagens que interpreta. Ali continuamos a ouvir e Susana Nunes e não Mariana, a mulher que sai de casa levando o filho em busca de uma felicidade perdida. O outro casal, constituído por Gil Sousa e Joana Costa, marcado por uma trágica disfunção na sua intimidade transpõem essa disfunção para o palco. Entram a dançar, metáfora corrente de uma sexualidade saudável, para dizer exactamente o contrário. A mulher, vestida como uma bonequinha supérflua dos anos sessenta, sem qualquer razão dramatúrgica para a assunção de um figurino tão marcadamente datado, domina a relação. A sua dureza extrema para com o marido contrasta com o afecto que dedica ao animal de estimação, o que também não é verdadeiramente original. A relação cénica entre estas duas personagens é pontuada por alguns momentos bem conseguidos que caem logo a seguir na banalidade, não conseguindo a encenação sustentar a tensão criada. As pausas são apenas paragens para mudar de cena, destruindo a tensão dramática. A relação entre os dois homens, marcada pelo sarcasmo, também é marcada pela incompletude, enquanto que entre as duas mulheres não existe verdadeiramente uma relação cénica. Neste trabalho são os homens que, sob uma capa de dureza, sucumbem e se mostram fracos, deixando-se manipular pelas mulheres, verdadeiras jogadoras perante as emoções e a vida. A ideia de matar o outro, tornado empecilho, parte delas, mostrando como prémio o bilhete para a felicidade suprema. De uma forma ou de outras, usando armas diferentes, elas põem e dispõem da vida como se fosse uma bebida com abertura fácil que se pudesse usar e a seguir deitar fora.
No entanto, faltou a este espectáculo a coluna vertebral que iria dar sentido quer ao enredo quer à credibilidade das interpretações. O que ficou, para além de quatro personagens dispersas à procura da sua felicidade descartável, foi um vazio gerado, não de forma assumida, mas deixado na cena ao acaso pela encenação. Alguns exercícios de confronto foram bem conseguidos, outros fomos reconhecendo aqui e ali como mais um dos que costumamos fazer nas oficinas de expressão dramática e de iniciação ao teatro, que se insinuaram assim na cena porque não foram suficientemente explorados. As interpretações estavam no caminho de uma interpretação cénica. Às vezes deixavam de o ser porque a emoção era abruptamente cortada. O crime que deu origem à criação deste espectáculo pairava subtilmente sobre as intenções cénicas mas podia ter sido mais explorado. Dir-se-ia que, mais que de um autor. Estas personagens andavam à procura de consistência que, não lhes sendo dada pela história, teria necessariamente de ser ultrapassada pela interpretação e pela intensidade dramática. Todas as histórias são fragmentos pensados por um autor, mesmo as mais complexas, as que cumprem as regras aristotélicas da escrita dramática. Mas enquanto personagens, têm de se mostrar completas e convincentes, mesmo nas suas fragilidades. Foi dessa completude que estas personagens andaram à procura o tempo todo. Por isso no final o espectáculo deu uma sensação de incompletude, porque as personagens não estavam trabalhadas por dentro, apesar dos actores terem tido desempenhos credíveis e ter havido bons momentos de contracena.
As luzes que davam continuidade ao cenário estavam bonitas mas as luzes que iluminavam os actores não o fizeram adequadamente. As expressões eram marcadas pelas sombras no rosto, não pontualmente, como seria interessante para realçar a monstruosidade em todos nós, mas de uma forma constante, o que lhe retira essa leitura. O suporte musical, que não vem devidamente indicado na folha de sala, também poderia ter sido mais explorado, pois quando o espectador se começava a adaptar à música, ela acabava abruptamente, provocando a tal quebra dramatúrgica, pois no caso desta proposta, o texto é constituído pelo todo fragmentado das intenções das personagens. Uma proposta interessante mas que deveria ter sido levada até ao fim no que diz respeito à exploração das personagens e da relação com o tema orientador. Por isso se sai deste espectáculo com uma sensação de incompletude, reflectindo não naquilo que falta em nós, mas procurando perceber o que falta no espectáculo e nas personagens. Não há uma verdadeira transposição e a função do teatro como crítica social não é cumprida. Apenas uma ideia chave muito forte, para quem ainda não tinha disso consciência: Tudo na vida é descartável. Até o Amor

O cinema a três dimensões



Cinemascoope, de André Murraças, tenta ser uma solução de compromisso entre técnicas e linguagens utilizadas no teatro e no cinema. Interpretado por Gil Silva, Miguel Murta, Ricardo Mendonça e Teresa da Silva o espectáculo apresentado no CAPa entre os dias 28 e 31 de Julho, apresenta ao nível do elenco um ligeiro desequilíbrio relativamente à actriz, por força de uma cumplicidade masculina trabalhada desde há alguns anos. No entanto, esse desequilíbrio, se bem que algo notório ao princípio, vai-se atenuando ao longo da representação. A criação colectiva do texto, depois trabalhada dramaturgicamente por Murraças, dá voz aos nossos mais banais pré-conceitos, questões, reflexões e críticas sobre o teatro ou sobre o cinema. Que temas tratar, que objectivos, a quem serve? Quem vai ao teatro? Quem vai ao cinema? E ver o quê? A partir do banal e recorrente tema: rapaz encontra rapariga / rapaz conversa com rapariga / rapaz envolve-se com rapariga / rapaz deixa a rapariga / rapariga persegue rapaz / rapariga ameaça rapaz com uma arma de fogo / rapariga mata-se com uma arma de fogo, há uma reconstrução interessante que roça a repetição pós-moderna do sistema de signos e sinais que uma cena pode conter. Sob o signo de Apolo, o ritmo mantém-se, as personagens mudam, modificando também a relação entre os géneros. Talvez parecesse forçado o sorriso de Gil Silva quando tomou o papel da rapariga, dando sub-repticiamente ao público uma leitura crítica da situação. No entanto essa leitura foi limpa pela posterior interpretação de Miguel Murta. Neste espectáculo há um cruzamento constante de referências desde a representação cénica, a alusão ao grande plano, o ritmo da tensão dramática, o desfecho dramático com um destino trágico e irremediável. A alusão a uma estética absurda que sai do quotidiano quando nos é apresentada uma personagem que participa no final trágico sem nunca se voltar. As repetições de personagens diferentes convidam a novas interpretações e novas estruturas de sentido, novos elementos geradores de uma outra significação, o que confere ao trabalho uma riqueza notável. Lembramo-nos de Fumer e de Pas Fumer de Alain Resnais, ou do mais recente Melinda e Melida de Woody Allen que cruzam as supostas linhas de um destino feito por nós. As referências cruzam-se neste universo laboratorial em que se cozinha o teatro com ingredientes do cinema, delimitando o espaço cénico à dimensão de um enquadramento. Os textos pretensamente absurdos não são brilhantes. De qualquer forma surpreendem pela maneira como são postos em cena, pelo ritmo que o encenador lhes impôs. As referências muito bipolares, que já fazem parte do nosso imaginário, relativamente ao cinema europeu versus cinema norte-americano eram recorrentes mas surtiam o efeito desejado. As nossas memórias, que crescem com os filmes da nossa vida, são bem exploradas e culminam no jogo, muito em voga em alguns círculos de amigos, no qual que se adivinha através de gestos o nome de um filme, leva-nos de imediato ao filme de Jennifer Jason Leigh e de Allan Cumming e às nós próprios quando nos divertíamos ao fazê-lo. Uma interacção inteligente com o público, evitando a exposição agressiva e perturbadora, que levou muitos espectadores a abandonarem de vez as salas de teatro nos fins dos anos 70 com medo que os actores os obrigassem a ir ao palco. Esta interacção subtil faz com que o espectador se sinta parte integrante do espectáculo sem o importunar, pois os nomes dos filmes que os actores interpretavam em mímica tinham sido anteriormente escritos por ele. Havia então um divertido jogo em que o público também torcia pelo actor que tentava descodificar o nome do filme. Com este jogo quase se podia fazer um estudo estatístico sobre os gostos cinéfilos de quem vai ao teatro, pois se apareciam filmes como o Rambo – A Fúria do Herói, a maior parte dos títulos que os actores tinham como desafio para mimar eram referências marcantes do cinema europeu.
Ao nível das luzes o espectáculo não consegue fugir à síndrome do aquário em que quase todos os espectáculos não profissionais, inevitavelmente, caem. No entanto, quanto à concepção dos figurinos, se bem que o dos actores fosse inexistente, o figurino de Teresa da Silva estava bem conseguido, pois para além de realçar a sua bela silhueta, evocava remotamente a nouvelle vague do cinema francês. Com uma voz bonita capaz de interpretar uma canção de forma convincente, Teresa da Silva tem contudo ainda muito trabalho a fazer ao nível da voz falada para teatro. A utilização esporádica do microfone resulta porque soube não ser exaustiva. O microfone ampliava a intenção de um momento que se partilha através de uma canção ou de uma grata memória. Gil Silva partilhou connosco a sua vocação de cantor romântico numa caricatura notável, de que Ricardo Mendonça nos salva a tempo.
O grupo primou por apresentar, dentro das limitações orçamentais, um prospecto que consegue dar ao público as informações essenciais que devem constar em qualquer espectáculo. Fugindo da habitual formato da folhinha A4 ou A5, muitas vezes inexistente, mesmo em grupos universitários, o público ficou na posse de um tríptico que inclui um texto do encenador, a sua referência biográfica, uma alusão subtil ao encontro do público com o espectáculo, fotografias de cena e uma ficha técnica completíssima. Um exemplo a seguir.
Ao nível da encenação há um rigor e uma precisão invulgares que supera algum trabalho de actor que ainda há por fazer. Se já conhecíamos alguma da obra de André Murraças e reconhecíamos nele o talento de um jovem escritor, com este trabalho Murraças entra definitivamente para a história dos jovens dramaturgistas e encenadores que fogem à vulgaridade a apresentam um trabalho digno de registo. Foge ao formalismo muitas vezes incompreensível para o público em geral, oferecendo-nos um humor inteligente. Na globalidade é um trabalho de referência que homenageia o cinema através do efémero suporte do teatro, cruzando linguagens e obtendo um resultado francamente positivo. É de apostar nesta forma profissional e honesta de fazer teatro, que prima pela formação e em que o público sai do espectáculo certo de ter assistido a um trabalho sério e descomprometido intelectualmente. Parafraseando o texto da folha de sala: “Quatro actores. É claro que é uma história de amor.”